segunda-feira, 19 de agosto de 2019

ARTIGO - Cem anos sem a nossa Rosa ( Padre Carlos )




Cem anos sem a nossa Rosa




            Estamos deixando de celebrar no Brasil, quase em branco o centenário da morte de Rosa Luxemburgo (1871-1919). Quero começar esse texto explicando o porquê falar de Rosa Luxemburgo, o porquê ler a sua obra, bem como, o que faz o pensamento desta extraordinária mulher ser tão atual. Assim, não poderia deixar de registrar este acontecimento.  Acredito que esta nossa falha esta muito mais ligada a esquerda brasileira que sem memória e sem uma cultura de resgatar seus heróis, termina não celebrando e resgatando estas vitórias. A ativista política, filósofa e muitas outras coisas, cujo lugar e grandeza estão bem protegidos numa vastíssima obra publicada, ainda que não suficientemente estudada. Embora tenha vivido a maior parte da sua curta vida em Berlim, Rosa nasceu na Polónia russa, originária de uma família judia abastada, cedo se revelou cosmopolita e poliglota (incluindo um domínio perfeito do alemão, russo e polaco). Foi das primeiras mulheres doutoradas pela Universidade de Zurique, entregando-se desde os 15 anos a uma militância socialista, inspirada por um sentimento de perigo e urgência que a eclosão da I Guerra Mundial mostraria ser inteiramente justificado.
   
         Poderia escrever sobre o brilhantismo intelectual de Rosa, sobre a sua independência intelectual, que a levou muitas vezes a criticar Bernstein e Kautsky como Lenine e Trotsky, sobre a sua originalidade teórica, bem definida como podemos contatar no livro A Acumulação do Capital (1913), que constitui uma verdadeira teoria da globalização, com os seus riscos catastróficos. Estes aspectos são de fundamental importância para entendermos sua trajetória como teórica e intelectual do seu tempo.
             Mais, o que eu gostaria de destacar mesmo, encontra-se na sua correspondência privada. Chamo a atenção do leitor, pela intensidade moral que ela demostra, uma carta escrita da prisão política de Breslau, perto do Natal de 1917, dirigida à sua amiga Sonia Liebknecht, mulher de Karl Liebknecht, que seria assassinado no mesmo dia de Rosa.
             A reflexão sobre sua vida e sobre o mundo se combinam e entrelaçam entre alegria de viver e a compaixão. Tudo isto, só poderia ser fruto de uma profundidade e sensibilidade que só a alma de uma mulher poderia explicar e traduzir para nós, pobres mortais. Destaco duas partes da carta. Na primeira, Rosa partilha com Sonia o que ela define mesmo, o que é a sua inexplicável "feliz embriaguez" (freudiger Rausch) de existir. Descreve as suas reflexões mentais, quando pelas 22.00 é obrigada a deitar-se, sem conseguir adormecer antes de madrugada. Até o som das botas do guarda é motivo para se alegrar por está viva.  À noite, escreve Rosa, mesmo na prisão, pode ser macia como o "veludo", se olharmos na perspectiva certa. O final da carta ainda é mais tocante. Com uma escrita certeira e delicada, Rosa descreve o sofrimento de uma centena de búfalos, "troféus de guerra" trazidos da Roménia, usados como animais de tração. Narra à crueldade de um soldado, que chicoteia um desses animais até o fazer sangrar. Comove-se até às lágrimas, em face do olhar doce e agónico desse animal, que compara a uma criança espancada sem saber por quê.
       
     No dia 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo, indefesa, seria assassinada à coronhada e a tiro, por ordem do capitão Pabst, no Hotel Eden, na famosa avenida berlinense Kurfurstendamm. O corpo de Rosa seria depois lançado ao Spree. Pabst morreu tranquilamente em 1970, aos 89 anos, sem nunca ter respondido pelos seus crimes.

Padre Carlos


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