Cem anos sem a nossa Rosa
Estamos deixando de celebrar no Brasil, quase em branco o
centenário da morte de Rosa Luxemburgo (1871-1919). Quero começar esse
texto explicando o porquê falar de Rosa Luxemburgo, o porquê ler a sua obra,
bem como, o que faz o pensamento desta extraordinária mulher ser tão atual. Assim, não poderia deixar de registrar este
acontecimento. Acredito que esta nossa falha esta muito mais ligada a esquerda brasileira que sem memória e sem uma cultura de resgatar seus heróis, termina não celebrando e resgatando estas vitórias. A ativista política, filósofa e muitas outras coisas, cujo lugar e grandeza estão bem protegidos
numa vastíssima obra publicada, ainda que não suficientemente estudada. Embora
tenha vivido a maior parte da sua curta vida em Berlim, Rosa nasceu na Polónia
russa, originária de uma família judia abastada, cedo se revelou cosmopolita e
poliglota (incluindo um domínio perfeito do alemão, russo e polaco). Foi das
primeiras mulheres doutoradas pela Universidade de Zurique, entregando-se desde
os 15 anos a uma militância socialista, inspirada por um sentimento de perigo e
urgência que a eclosão da I Guerra Mundial mostraria ser inteiramente
justificado.
Mais, o que eu gostaria
de destacar mesmo, encontra-se na sua correspondência privada. Chamo a atenção
do leitor, pela intensidade moral que ela demostra, uma carta escrita da prisão
política de Breslau, perto do Natal de 1917, dirigida à sua amiga Sonia
Liebknecht, mulher de Karl Liebknecht, que seria assassinado no mesmo dia de
Rosa.
A reflexão sobre
sua vida e sobre o mundo se combinam e entrelaçam entre alegria de viver e a
compaixão. Tudo isto, só poderia ser fruto de uma profundidade e sensibilidade que
só a alma de uma mulher poderia explicar e traduzir para nós, pobres mortais.
Destaco duas partes da carta. Na primeira, Rosa partilha com Sonia o que ela
define mesmo, o que é a sua inexplicável "feliz embriaguez" (freudiger Rausch) de existir.
Descreve as suas reflexões mentais, quando pelas 22.00 é obrigada a deitar-se,
sem conseguir adormecer antes de madrugada. Até o som das botas do guarda é
motivo para se alegrar por está viva. À noite, escreve Rosa, mesmo na prisão, pode ser macia como o
"veludo", se olharmos na perspectiva certa. O final da carta
ainda é mais tocante. Com uma escrita certeira e delicada, Rosa descreve o
sofrimento de uma centena de búfalos, "troféus de guerra" trazidos da
Roménia, usados como animais de tração. Narra à crueldade de um soldado, que
chicoteia um desses animais até o fazer sangrar. Comove-se até às lágrimas, em face do olhar doce e agónico desse animal,
que compara a uma criança espancada sem saber por quê.
Padre Carlos
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