quarta-feira, 12 de julho de 2023

ARTIGO - A lição de Simone de Beauvoir para o Brasil pós-Bolsonaro. (Padre Carlos)

 


A cumplicidade dos oprimidos




        A frase de Simone de Beauvoir, escritora e filósofa francesa, é uma das mais célebres e contundentes da história do pensamento político. Ela expressa a ideia de que o opressor não seria tão forte se não tivesse a cumplicidade entre os próprios oprimidos, ou seja, se aqueles que sofrem com a injustiça, a violência e a exploração não colaborassem, de alguma forma, com o sistema que os oprime.

        Essa frase foi escrita no contexto da ocupação nazista da França durante a Segunda Guerra Mundial, quando muitos franceses se aliaram aos invasores alemães, seja por medo, por interesse ou por ideologia. Esses colaboracionistas foram vistos como traidores da pátria e da resistência, que lutava pela libertação do país e pela defesa dos valores democráticos.

        No Brasil, essa frase teve uma grande relevância durante o governo de Jair Bolsonaro, que representou uma ameaça à democracia, aos direitos humanos, ao meio ambiente e à saúde pública. Um governo que se apoiou em uma base ideológica de extrema direita, que negou a ciência, que propagou fake news, que atacou as instituições, que incitou a violência e que flertou com o autoritarismo.

      Os oprimidos foram todos aqueles que sofreram com as consequências desse governo: os trabalhadores, os estudantes, os indígenas, os quilombolas, os negros, as mulheres, os LGBTs, os pobres, os desempregados, os doentes, os mortos pela covid-19 e seus familiares.

        A cumplicidade entre os oprimidos e o opressor foi a adesão de parte desses grupos ao discurso e às práticas de Bolsonaro, seja por ignorância, por manipulação ou por identificação. Foram aqueles que defenderam o presidente nas redes sociais, que participaram de manifestações antidemocráticas, que apoiaram medidas contra os direitos sociais e que negaram a gravidade da pandemia.

        Os colaboracionistas foram aqueles que se beneficiaram do governo Bolsonaro, seja por cargos, por verbas ou por interesses econômicos. Foram aqueles que fizeram parte do centrão, do agronegócio, das igrejas evangélicas, das milícias, das forças armadas e dos meios de comunicação.

        Os resistentes foram aqueles que se opuseram ao governo Bolsonaro e lutaram pela preservação da democracia, da diversidade, da justiça e da vida. Foram aqueles que fizeram parte dos movimentos sociais, dos partidos de esquerda, das universidades, das organizações não governamentais, dos artistas, dos intelectuais e dos jornalistas.

       Felizmente, esse governo chegou ao fim com a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. O povo brasileiro mostrou nas urnas que não aceita mais um projeto político autoritário e excludente. Mas isso não significa que a luta acabou. Ainda há muitos desafios e problemas a serem enfrentados pelo novo governo e pela sociedade civil. Ainda há resquícios do bolsonarismo nas instituições e na cultura. Ainda há riscos de retrocessos e crises.

    Por isso, é preciso estar atento e vigilante. É preciso continuar defendendo a democracia e os direitos humanos. É preciso continuar resistindo aos opressores e aos colaboracionistas. É preciso continuar questionando a cumplicidade dos oprimidos. Afinal, como disse a própria Simone de Beauvoir: “Não se pode escrever nada com indiferença”.

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