quinta-feira, 20 de junho de 2019

ARTIGO | O Corpo de Cristo e os corpos dos homens (Padre Carlos)




O Corpo de Cristo e os corpos dos homens


            Ninguém sabe quantos brasileiros conhecem a razão por que hoje é feriado nacional. Estou convicto de que esse número seja pequeno.  Aliás, o mesmo se deve com a maioria dos feriados religiosos e também os outros. O que mais interessa já não é a referência do feriado, mas o feriado em si. Na base do feriado que celebramos hoje, Festa do Corpo de Deus, está um banquete. Dois banquetes marcaram o Ocidente. Um é O Banquete, de Platão, com todos aqueles diálogos sobre o amor nas suas várias perspectivas. O outro é a Última Ceia de Cristo, enquadrada também por um longo discurso sobre o amor e na iminência da morte. Jesus tomou o pão e o cálice com vinho, pronunciou a bênção e disse: "Tomai, comei e bebei, isto é o símbolo da minha vida entregue por amor e salvação de todos."
     
       Os primeiros cristãos, animados pela fé no Jesus crucificado e ressuscitado para a vida do Deus-Amor vivente, juntavam-se à volta da mesa numa refeição fraterna e festiva - quem presidia era o dono ou a dona da casa - e alimentavam-se do Pão e da Palavra, aprofundando a fé, a esperança e o amor.
            Essas celebrações lembravam a Última Ceia e também aqueles banquetes que Jesus tivera ao longo da vida. Banquetes frequentemente escandalosos, pois Jesus comia e convivia com pecadores e publicanos, marginalizados e gente de vida pouco recomendável. Por outro lado, tornava-se por vezes um hóspede inconveniente e até insolente, já que aproveitava a ocasião para denunciar a hipocrisia e o modo de vida das pessoas.
            A Igreja Católica celebra, hoje, a festa do corpo de Cristo. A solenidade resgata a sacralidade do corpo e a unidade do ser humano. 
            Foi em meados da década de noventa, que ao celebrar esta data, Dom Celso Jose, chamou a atenção dos fieis para a necessidade de humanizar a nossa fé.
      
      Apesar da fé e da piedade dos conquistenses naquele ano, o Corpo de Cristo tinha sido profanado. Seu Sangue verteu em dor e humilhação. Para mim essa não teria sido uma quinta-feira de Corpus Christi comum. Despertamos para o dia com o amargor intragável da violência cometida contra dois jovens que ao serem assaltados, terminaram sendo mortos. Os assaltantes fugiram com carro da vítima. Aquele assassinato teve uma grande repercussão na cidade e diante disto, foi montado pelas polícias vários grupos de buscas ao assassino. Ao serem interceptado pelos polícias, trocaram tiros e foram mortos. Até aí, parece um boletim policial do dia-a-dia, porém após a morte dos assaltantes, os polícias passaram pela cidade em carro aberto mostrando aquele corpo vasado com vários disparos, como se fosse uma caça ou um troféu e para o espanto de alguns, recebia aplausos de parte da população.  Os Corpos daqueles jovens eram apresentados em carro aberto com orgulhos de seus executores, a crueldade com os corpos era visivelmente desumano. As responsabilidades do orgulho nefasto desses homens carregaram até hoje no nosso inconsciente, quando não rompemos com o que existe de pior no homem: nossa falta de humanidade. Profanaram o Corpo de Cristo, arrancando dele sua dignidade e deixando, apenas, humilhação e terror.
            Confesso a vocês, que aquela homilia proferida por um pai espiritual como Celso José, teve e ainda hoje tem para mim um significado profundo sobre o corpo e a dignidade humana.

Padre Carlos.
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